domingo, maio 19, 2024
Belo Horizonte

Belo Horizonte carrega consigo parte da memória brasileira na Segunda Guerra Mundial

Parte importante para o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, mas para muitos esquecida, a Força Expedicionária Brasileira e seus pracinhas – como eram conhecidos os soldados brasileiros – foram peça crucial para a libertação da Itália, além de auxiliar no avanço aliado através do sul do país. Cerca de 25 mil homens foram enviados à Europa, pelo Brasil. Fazendo parte do exército americano, os pracinhas participaram dos treinamentos criados pelos estadunidenses já em 1942, quando o Brasil passou a participar do conflito. Os soldados brasileiros chegaram à Europa em 1944, desembarcando na Itália já tomada pelos alemães. Destes 25 mil, 2.947 eram soldados mineiros, além de outros 48 pilotos e 400 militares da Força Aérea Brasileira (FAB).

Essa rica história é armazenada e cuidada em Belo Horizonte. A capital mineira se mostra grata aos combatentes históricos, sediando eventos e mantendo museus que contam a história dos militares que partiram rumo ao continente europeu, para o conflito mundial. Localizado no centro de Belo Horizonte, na rua Tupis, 723, o Museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB), controlado e mantido pela Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB), faz parte do entorno cultural da cidade há mais de 40 anos, prometendo uma viagem ao período (1939/1945) e à participação brasileira e mineira na guerra. 

O curador do museu, Marcos Renault, conta um pouco sobre o espaço, o contexto histórico e a chegada dos pracinhas na guerra. “O museu da FEB aqui de Belo Horizonte, como os demais que tem no Brasil, foram criados para poder materializar a história da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Essa história é baseada no esforço de 25 mil homens e mulheres que saíram daqui e foram lutar contra os nazistas, contra os fascistas na Itália”, ressalta o presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB)/Regional Belo Horizonte.

Marcos conta sobre a criação do museu e como todo o acervo foi reunido, até a criação do espaço, “o museu foi constituído com peças trazidas principalmente dos pracinhas e depois, na medida que o tempo foi passando, de pessoas que têm interesse na preservação dessa história. São colecionadores, aficionados que contribuem com o museu. Então, essa, em linhas gerais, é a história do museu”.

Além disso, Renault conta um pouco sobre o espaço onde o museu foi realocado, na rua Tupis. Desde 1987, o museu era sediado no bairro Floresta, na Avenida Francisco Sales. Porém, devido a algumas medidas, o espaço foi inviabilizado, o que gerou a troca de localização, em 2019. “Trata-se de um ponto de grande circulação de pedestres e veículos; o museu fica no andar térreo, favorecendo a acessibilidade; e foi ampliado, passando a contar com oito ambientes para exposição, nós conseguimos reformar aquele espaço e hoje, realmente, nós temos um museu na concepção da palavra. Então, todo o acervo está bem conservado, está em segurança para a apreciação da população belo-horizontina, mineira, brasileira e de estrangeiros que vão lá ver também.” 

Museu da FEB – Fonte: Wikipedia

No ano de reabertura do museu, em 2019, algumas atividades especiais, como mostras temporárias e palestras, foram realizadas, ensejando, assim, uma maior visitação de estudantes de escolas estaduais, municipais e privadas no período. “Na época da guerra, funcionava aqui uma escola alemã. Então, houve a desapropriação e as instalações foram ocupadas pelo Exército. Na época da guerra, eles foram desapropriados e aí, sim, passou a fazer parte do Estado brasileiro. Então, a propriedade passou a ser do Brasil e eles foram indenizados posteriormente”, conta Marcos, reforçando o contexto histórico existente no novo recinto do museu.

Fazem parte do conteúdo histórico do museu artefatos como uniformes, armas, jornais da época, fotos, materiais de treinamento, medicamentos, utensílios para alimentação e higiene, documentos, medalhas, bandeiras e insígnias, o espaço conta a história dos combatentes brasileiros que migraram para guerrear após o Brasil declarar apoio contra o nazismo e o fascismo

Traumas e histórias também foram trazidos do período na Itália

O coronel Otto Fretter-Pico em discussões preliminares com o major brasileiro Franco Ferreira, em Fornovo di Taro, sobre a rendição da 148° Divisão de Infantaria alemã Foto: Wikipedia

A motivação para a entrada na Guerra se deu por ataques de submarinos italianos e alemães, a navios mercantes na costa brasileira. Marcos conta que, o ataque das forças do eixo em águas brasileiras vitimou mais de 1000 brasileiros e, junto com a vontade dos aliados, o Brasil entrou na guerra. Com os ataques, a população foi às ruas, como conta o curador do museu da FEB em Belo Horizonte, “o povo indignado foi às ruas, após os ataques do eixo em nossas águas, e o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, as três forças armadas do Brasil, exerceram com braço forte a resposta que nós precisávamos dar aos nossos agressores”. 

Marcos conta sobre as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros que participaram do conflito. Vencer a guerra e toda a tensão do conflito, muitas das vezes, pode trazer consequências para a volta do cotidiano e, muitos soldados brasileiros enfrentaram diversos problemas ao retornarem da Europa. Infelizmente, problemas com álcool, neuroses de guerra, foram evidentes. Infelizmente, muitos veteranos não resistiram à pressão e tiraram a própria vida. O curador reforça a importância da participação do país no conflito. “É um esforço muito grande que o Brasil precisa lembrar”. 

Foram mais de 200 dias em território Italiano, fazendo parte de um dos maiores acontecimentos da história mundial e, para alguns soldados, não foi fácil. “Muitos deles voltaram com neuroses de guerra, com dificuldade de se encontrarem no meio civil, no meio profissional, tiveram de ter alguma ajuda do governo para conseguir emprego. Muitos deles voltaram e se enveredaram para embriaguez, ficaram viciados em álcool e tiveram que ser amparados pela Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira”, conta Marcos. 

Uma história impressionante, também é trazida pelo curador, sobre o capitão Divaldo Medrado, que foi presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira. Marcos conta que o capitão foi alvejado treze vezes no lado esquerdo do peito por uma metralhadora MG-42, que segundo Marcos, pode disparar cerca de 1.200 tiros por minuto. 

Na história, o então Sargento Medrado havia enquadrado um cidadão italiano sem nenhuma farda, seja italiana, ou alemã e, ao avaliar a situação, mesmo enquadrado na mira de seu fuzil, decidiu não tomar nenhuma ação e abaixou a sua arma. Ao se aproximar de uma casa onde o rapaz entrou, uma janela foi aberta, de onde partiram as rajadas de metralhadora. “ O Capitão Medrado, então Sargento, foi atingido com 13 tiros do lado esquerdo do peito. Ele não perdeu os sentidos, ficou em estado de choque. Quando os amigos dele se aproximaram para dar socorro, ele disse: ‘amigos, estou ferido, fé em Deus, bala na agulha e vamos em frente’. E assim aconteceu. Os amigos deles foram e com uma bazuca destruíram a casa que esse inimigo estava, que tinha alvejado o nosso capitão Medrado. Essa pessoa morreu. O Medrado foi evacuado, veio para o Brasil, fez o tratamento e sobreviveu. Morreu há pouco tempo atrás”, conta o curador Marcos Renault. 

Homenagens aos ex-combatentes na capital

Presidente Getúlio Vargas se despede dos pracinhas, que partiam rumo à Europa

Desde a Segunda Guerra Mundial, o dia 05 de maio tornou-se um dos dias mais marcantes para a história mundial. Conhecido como o Dia da Vitória, a data simbólica marca a data oficial do final dos conflitos no continente europeu, durante a Segunda Guerra Mundial, com a rendição das forças alemãs aos aliados. Com isso, Belo Horizonte realiza um evento para homenagear estes militares mineiros que representaram o país durante o conflito. A homenagem, organizada pela 4ª Região Militar do Exército Brasileiro, visa relembrar o contexto histórico deste dia simbólico, além de homenagear os homens que defenderam a democracia. 

Para o curador Marcos Renault, todas as homenagens realizadas na capital, além do museu do qual é responsável, não são exclusivas de um museu do exército ou instituição nacional. Para ele, trata-se de um patrimônio do povo brasileiro. “Aqui, a memória de pessoas comuns, cidadãos brasileiros que foram para os campos de batalha com coragem, patriotismo e o sentimento de respeito pelo Brasil, está preservada. A lição maior é que precisamos evitar que, um dia, tudo isso possa acontecer de novo. Daí a importância para as novas e futuras gerações”, disse o curador do museu, estudioso do conflito e, sempre presente como co-organizador das cerimônias do Dia da Libertação da Itália, que ocorrem a cada 25 de abril na cidade de Montese, na Itália.

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