domingo, maio 19, 2024
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Os palcos da paixão: uma jornada pelos estádios de futebol de Belo Horizonte

Por Marcos Santos

A capital mineira é conhecida por sua grande tradição futebolística, abrigando três equipes da elite do futebol brasileiro. Mas neste ano, além dos três times disputando a primeira divisão nacional, cada um tem um estádio definido para jogar. Um cenário bem diferente de 2018, último ano em que América, Atlético e Cruzeiro disputaram juntos a Série A do Brasileirão. Enquanto desenvolvia o projeto de sua nova arena, o Atlético mandava a maioria de seus jogos no Independência, estádio do rival América. O Coelho também jogava no estádio do Horto, enquanto o Cruzeiro disputou seus jogos no Mineirão.

Mas por que o Atlético, o segundo clube com maiores médias de público da história do Brasileirão, decidiu jogar em um estádio menor? Tudo começou em 2010. Com a confirmação do Brasil como país sede para a Copa do Mundo de 2014, e do Mineirão como palco da competição. O estádio foi fechado para passar por uma grande reforma, obrigando Atlético e Cruzeiro a procurarem outro lugar para jogar. A escolha natural seria o Independência, mas o estádio do Horto também passava por reformas. Sendo assim, os três clubes de Belo Horizonte optaram por jogar na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, região metropolitana de BH. Em 2011, as equipes tiveram um desempenho muito abaixo do esperado, com o América rebaixado para a segunda divisão, o Atlético escapando do rebaixamento na penúltima rodada, e o Cruzeiro apenas na última, salvando-se com o histórico 6×1 sobre o Atlético, até hoje a maior vitória de sua história sobre o rival.

A volta para Belo Horizonte

Em 2012, foi concluída a reforma do Independência, e os três times voltaram a jogar em Belo Horizonte. Além do novo estádio, o Galo contava com um time mais encaixado e a presença de ninguém mais, ninguém menos que Ronaldinho Gaúcho, comandando a equipe. A chegada do craque mundial foi uma surpresa para todos os amantes de futebol, principalmente para os atleticanos.

“Quando o Atlético contratou o Ronaldinho, diante dos episódios que aconteceram no Flamengo, no dia que fiquei sabendo eu não gostei. Mas quando ele vestiu a camisa do Galo, eu mudei de opinião. Ele fez o Atlético renascer, o Atlético mudou de patamar graças ao Ronaldinho”, lembra o aposentado Ronaldo Batista.

O Galo terminou o Brasileirão de 2012 com o vice-campeonato e sem perder nenhuma partida no Independência. A partir dali, a mística do “caiu no Horto tá morto” fez com que o time não deixasse o estádio, mesmo com a reabertura do Mineirão, em 2013. O Mineirão ficou marcado por jogos históricos, como o título da Libertadores do Atlético sobre o Olimpia e as classificações na Copa do Brasil de 2014 sobre Corinthians e Flamengo, revertendo nas duas oportunidades um placar contrário de 3×0 para 4×3.

Cruzeiro e Mineirão: uma receita de glórias

O Cruzeiro voltou para o Gigante da Pampulha com a reinauguração, e o desempenho na “nova” casa foi pra lá de positivo. Com um elenco de muitos jogadores até então desconhecidos, o Cabuloso conseguiu o título brasileiro de 2013 com muita tranquilidade, podendo fazer a festa ao lado de seu torcedor, que lotou as arquibancadas do Mineirão. Soberana, a equipe venceu todos os adversários do campeonato pelo menos uma vez, feito inédito e que até hoje nenhum outro clube brasileiro conseguiu repetir. No ano seguinte, mais um título do Brasileirão, mantendo a base do ano anterior e dominando o futebol nacional. Alguns anos depois, recheado de estrelas, o Cruzeiro venceu duas vezes a Copa do Brasil, em 2017 e 2018. Com as conquistas, o clube se tornou o maior vencedor da Copa com 6 títulos. O empresário Israel Castro conta um pouco do que viveu na decisão de 2018:

“Eu lembro que o Cruzeiro era bem superior ao Corinthians, foi bem superior naquele jogo. Mas o time não conseguia marcar o seu gol. Até que o gol saiu no fim do primeiro tempo e foi aquela explosão da torcida. O Mineirão é uma parte muito grande da história do Cruzeiro, um estádio muito bom, já tivemos momentos muito felizes lá, mas com alguns momentos ruins também.”

Em 2019, o mais triste episódio entre Cruzeiro e Mineirão. O badalado time, que foi vencedor nos dois anos anteriores, entrou em crise. Nos bastidores, um grande esquema de corrupção foi descoberto e veiculado em rede nacional no Fantástico, da Rede Globo, o que minou completamente o clima do elenco. No fim da temporada, jogadores consagrados como Thiago Neves foram afastados e o Cruzeiro foi rebaixado para a segunda divisão ao ser derrotado pelo Palmeiras no Mineirão. Torcedores indignados começaram a quebrar cadeiras e arremessar no gramado, atiraram bombas nas arquibancadas e entraram em conflito com a PM.

Pandemia e estádios vazios

Em 2020, a pandemia de COVID-19 parou o futebol mundial e trouxe muitas mudanças na forma de disputa das partidas. Todos os clubes jogavam com os estádios vazios e os torcedores poderiam acompanhar apenas por rádio ou televisão. Com o projeto da Arena MRV saindo do papel, o Atlético passou a jogar no Mineirão, como sempre havia feito. O Independência, então, foi usado apenas pelo América, que viveu uma de suas temporadas mais bem sucedidas sem a presença de seu torcedor. Comandado por Lisca, o time do Coelho disputava a Série B do Brasileirão e desbancou o favoritismo do Cruzeiro, voltando a vencer um clássico contra a equipe celeste após quatro anos.

Mas os êxitos do América não ficaram por aí. O desempenho da equipe na Série B foi muito acima do esperado e o Coelho disputou o título com a Chapecoense até a última rodada, terminando com o segundo lugar. Além da boa campanha no Brasileirão, o time de Lisca avançou até a semifinal da Copa do Brasil, fazendo a melhor campanha de sua história e deixando pelo caminho gigantes do futebol como Corinthians e Internacional. O jornalista Hélcio Mendes lembra com carinho da campanha:

“Com a pandemia e o América indo bem, a gente ficava doido pra ir no “Indepa”. Mas de qualquer maneira foi uma virada de chave para o time, o América raramente ia bem na Copa do Brasil e conseguiu chegar na semifinal. Jogando pau a pau com o Palmeiras, eliminando times grandes, então foi muito legal acompanhar esse momento.”

Volta do público e aventuras internacionais do América

Mas o torcedor do Coelho pôde aproveitar um momento ainda mais especial nos anos seguintes. Em 2021, com volta gradativa do público, o América conseguiu se manter na elite do futebol brasileiro pela primeira vez desde que o campeonato passou a ser disputado em pontos corridos. Não só se manteve na primeira divisão, como conseguiu uma vaga para disputar as fases preliminares da Copa Libertadores de 2022, o primeiro torneio internacional da história do América.

“Para mim e outros amigos americanos foi um momento que nunca tínhamos vivido, e de muita esperança do América realmente estar evoluindo, crescendo. Porque na Série B a gente sempre foi grande, isso é indiscutível. Mas na Série A era aquele problema de vai e volta, e essa campanha deixou a gente maravilhado. Jogar a Libertadores foi algo mágico”, destaca Hélcio.

O primeiro adversário foi o Guarani, do Paraguai. Derrota em casa por 1×0, mas com uma vitória histórica em Assunção por 3×2. Nos pênaltis, brilhou a estrela do goleiro Jailson e o América avançou de fase. O adversário da vez era o Barcelona de Guayaquil. Empate por 0x0 no Independência e no Equador, e mais uma vez Jailson fez história colocando o Coelho na fase de grupos da competição.

É bem verdade que o América não venceu nenhuma partida na fase de grupos, mas dificultou, e muito, a vida dos adversários. No Brasileirão de 2022, o Coelho conseguiu uma vaga para disputar a Copa Sudamericana, e novamente fez história. Fazendo parte do “grupo da morte”, o América deixou pra trás nada mais nada menos que Penarol e Millonarios, equipes com muita tradição na América do Sul (tendo o Penarol conquistado 5 vezes a Copa Libertadores). Nos play-offs o Coelho derrubou o gigante Colo-Colo do Chile, aplicando um sonoro 5×1 no Independência, e nas oitavas de final superou o badalado e endinheirado Red Bull Bragantino. A campanha chegou ao fim nas quartas de final contra o Fortaleza, com duas derrotas para o Leão do Pici, que terminou com o vice-campeonato.

Clima conturbado em 2023

O ano de 2023 foi de imbróglios e indefinições para Atlético e Cruzeiro. Já era sabido que a Arena MRV estaria pronta para receber os jogos do Galo no segundo semestre e o clima era de despedida no Mineirão. Mas a grande quantidade de shows no Gigante prejudicou a qualidade do gramado e também a relação com o clube, que fez reclamações públicas com jogadores e dirigentes questionando as prioridades da Minas Arena, administradora do estádio. As reclamações não foram exclusivas do lado atleticano. No ano que marcou o retorno à primeira divisão, o Cruzeiro chegou a romper relações com a Minas Arena e passou a jogar no Independência. A torcida celeste não se adaptou ao estádio e reclamou bastante nas redes sociais, pedindo um acordo para que fosse possível a volta do clube ao Mineirão. Foi o que aconteceu em maio, com a derrota do Cabuloso para o Fluminense por 2×0. Desde então o desempenho do Cruzeiro no estádio não foi bom, com apenas uma vitória, seis derrotas e quatro empates. Mesmo assim, a torcida reconhece a importância de voltar para onde sempre foi a casa do Cruzeiro.

“Para mim é de suma importância o Cruzeiro voltar a jogar no Mineirão. Por toda a história que o Cruzeiro tem com o estádio desde a inauguração, é só olhar pela história. Todas as épicas vitórias, as inúmeras conquistas de Copas do Brasil, Brasileiros, Libertadores, foram vários aí. Então o Mineirão sempre foi um parceiro das maiores conquistas, das maiores vitórias do Cruzeiro, então foi ali que a gente se achou. São mais de quarenta anos juntos, de história com o Cruzeiro” explica Marcelo Oliveira, torcedor do Cruzeiro.

Arena MRV: o sonho realizado do atleticano

Voltando para 2021, o torcedor do Atlético já lotava – quando as autoridades sanitárias permitiam – as arquibancadas do Mineirão e o time brigava nas cabeças pelos principais títulos. Campeão mineiro no mesmo ano, o Galo chegou até a semifinal da Copa Libertadores e conquistou o título do Brasileirão após 50 anos de espera. Uma semana após o fim do campeonato, goleou o Athletico Paranaense por 4×0 na final da Copa do Brasil, soltando o grito de “É campeão” dos torcedores antes do segundo jogo, em Curitiba.

Em 2022 e 2023, o desempenho do Atlético jogando no Mineirão não foi tão acima da média, mas o torcedor seguiu comparecendo e apoiando. No último mês de agosto o Atlético finalmente inaugurou sua arena, em partida contra o Santos. Com dois gols de Paulinho, o torcedor atleticano comemorou sua primeira vitória na nova casa e vê uma reação impressionante no campeonato. O time chegou a estar em 13º na tabela de classificação, mas agora ocupa o 4º lugar a três rodadas do fim, ainda com chances remotas de título.

Na nova casa, já são nove jogos, com sete vitórias e duas derrotas. O torcedor ainda está se acostumando com o entorno e o ambiente da nova Arena, que ainda não tem todas as vias de acesso finalizadas. O último jogo do ano no estádio aconteceu no domingo (26) com vitória alvinegra por 3×0 sobre o Grêmio. O Atlético ainda enfrenta o São Paulo em Belo Horizonte, mas a partida será disputada no Mineirão, por conta de um adiamento da CBF para as rodadas finais do campeonato, causando um conflito de datas com um show internacional na Arena MRV.

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